E
enquanto novas palavras ganham asas, um texto muito ternurento que nos fala de simplicidade, de inocência, de
esperança e de resiliência também.
"Quando eu era pequena, a minha maior alegria era semear coisas. Semeava tudo: caroços de laranja, de nêsperas, pevides de melão, raízes ínfimas de violetas, pétalas de cravo, olhinhos amarelos de malmequer. Semeava nos vasos, nos canteiros da escola e, sobretudo, debaixo de uma nespereira enorme que havia no quintal da minha casa de infância. As sementes transformavam-se. Primeiro eram folhas tenras, depois, plantas que cresciam, às vezes trepavam, às vezes… não acontecia nada.
Um dia o meu canário morreu. Logo, não percebi muito bem o que lhe tinha acontecido. Depois descobri que alguma coisa diferente, silenciosa, fria e inesperada, interrompia a vida. Então, fui também semear o canário. Durante dias e dias aguardei, debaixo da nespereira, que o canário voltasse. Primeiro, seria o bico. Depois, os olhinhos e, depois ainda, um voo rápido e uma canção.
Passaram-se muitos anos. Quando olho
lá para trás sei que descobri que a vida é um milagre. Semear qualquer coisa
que fique, que cresça, que deixe um sinal, mesmo pequenino, deve ser o sentido
dos nossos dias. E, em certas horas, ainda acredito que o canário voltará. É
talvez uma semente que demora um pouco mais que as outras porque tem asas e as asas crescem devagar. Mas eu sei,
tenho a certeza que um dia, de repente, no alto duma árvore qualquer eu
avistarei essa ave."
Maria
Rosa Colaço, in De que são feitos os
sonhos
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