Dentro
da barriga da mãe, o Menino Jesus ouvia, lá fora, São José dizer para Nossa
Senhora:
“Demorará a nascer?”
E Nossa Senhora respondendo:
“Não, tenho quase a certeza de que
nasce esta noite.”
Inquieto, o Menino Jesus
perguntava-se se falariam de si. E o que quereria dizer “nascer”? Teria ouvido
bem?
O barulho do coração da mãe batendo
com força perto do seu não deixava o Menino Jesus ouvir perfeitamente o que se
passava lá fora. Escutava o sussurro de vozes, os passos de São José andando de
cá para lá no estábulo, o roçar das roupas de Nossa Senhora na barriga, mas nem
sempre tinha a certeza daquilo que ela e São José diziam porque ainda não
compreendia muitas palavras.
Algumas palavras compreendia, a
palavra “mãe”, a palavra “coração”, a palavra “alegria”. Quando, por exemplo, a
mão da mãe acariciava levemente a barriga e o tocava através da pele,
experimentava uma sensação vibrante e nova que nunca antes, no Céu, quando
ainda não era homem, sentira. Então, o seu sangue corria mais depressa e sentia
as faces a ruborizarem-se-lhe. Estava certo de que “alegria” era isso. (…)
“Estou a sentir dores, acho que vai
nascer.”
(…) Mas que queria dizer
“nascer”? (…) De repente sentiu-se puxado para baixo por uma força irresistível.
(…) Fechou os olhos e deixou-se escorregar docemente para fora da mãe.
Quando os abriu, o rosto da mãe
sorria debruçado sobre o seu, muito perto do seu, e o Menino sentiu, apesar do
frio que fazia, um calor denso e vibrante inundá-lo e aquecer todo o estábulo.
“Nascer deve ser isto…”, pensou. E, cheio de alvoroçado contentamento, estendeu
o braço, tocou levemente com o dedinho indicador o rosto de Nossa Senhora e
sorriu também.
in O cavalinho de pau do Menino Jesus e outros contos de Natal,
de Manuel António Pina
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