Se fosses... querias ser?

      Partilhamos com todos alguns dos textos elaborados pelos alunos do 4CVA, a partir do poema “Se fosses… querias ser?”, da obra Versos de Cacaracá, de António Manuel Couto Viana. Apreciemos tanta criatividade e talento poético!




(Podem encontrar a digitalização dos trabalhos originais, com mais alguns textos, na barra lateral direita.)

Palavras (des)confinadas...

 Neste início de ano tão atípico, partilhamos convosco dois textos - pensados, sentidos, registados em palavras (des)confinadas. Obrigada, Francisca. Obrigada, Ana Rita. Não deixem de escrever. 


        Esta será a provavelmente a única vez que falarei assim tão abertamente sobre este assunto. Esta história, relato, ou como lhe quiserem chamar, passou-se há cerca de seis anos.

        Eu sempre fui muito ligada a todos aqueles que me querem bem. E, como tal, nunca fui capaz de me imaginar sem eles. A minha avó foi sempre aquela pessoa que me apoiou em tudo, esteve sempre presente, tal como está neste momento, está dentro de mim.

        A minha avó era a pessoa mais bela, nunca a vi sem a sua sombra negra, que lhe destacava aqueles olhos verdes, ou sem o seu cabelo perfeitamente apanhado. Aprendi tanto com ela! Nomeadamente sobre “ser uma lady”, era como ela dizia. Sempre que saio de casa sem me arranjar, oiço a sua doce voz:

       - Francisca, sê sempre bela, olha para a vovó! – E dava a sua voltinha teatral, que eu dava tudo para voltar a ver.

       A nossa última conversa foi o momento mais marcante da minha vida. Como era habitual, aos sábados ia com ela fazer as suas unhas:

        - Avó, posso fazer as unhas como as tuas? – perguntei.

        Com um entusiasmo, que foi digno até de palmas, ela disse:

         - Claro, meu amor, estive sempre à espera que mo pedisses.

         Passamos a manhã no salão, saímos de lá como novas. Quando íamos almoçar tive a necessidade de me abrir com ela:

          - Avó, é verdade que um dia me vais deixar?

        - Francisca, meu amor, a avó vai estar sempre presente! - e cortou essa conversa por aí. Nunca entendi o porquê de ela não me falar sobre isso, até hoje.

        Hoje, de prenda de aniversário, recebi a carta que ela tinha escrito. Chorei, sorri e relembrei, nomeadamente a história que acabei de contar. “Vou estar sempre presente”, começou ela, e por entre gargalhadas e lágrima terminou com “ O mundo é teu, pequena”.

            Não ficou nada por dizer, mas havia muito para contar.

                                                                                                                      Francisca Torres, 9ºVB



O amor dentro de uma garrafa

    Num dia bastante ensolarado estava sentada com a minha avó a ver o pôr-de-sol. O mar estava calmo e fazia música quando batia ligeiramente nas rochas. Aquela belíssima paisagem era como uma atuação da natureza para alguém sem identidade.

    Mais tarde, com a maré a baixar, perto da costa vi uma garrafa de vidro meia coberta pela areia. No início, tive receio de me aproximar, mas quando prestei atenção vi que tinha um papel e parecia ter algo escrito. Peguei nela, fui ter com a minha avó e mostrei-lhe o que tinha encontrado.

     Abrimos e li o que lá estava, mas as palavras estavam cortadas pela metade. Estava escrito de uma maneira que não entendia: era uma letra estranha e o papel estava escuro, gasto. Parecia que muitos anos tinham passado por ele. Entreguei-o à minha avó. O rosto dela transmitia vários sentimentos ao mesmo tempo, de tal forma que não dava para entender ao certo. Questionei o porquê de várias expressões sentimentais e perguntei. Disse-me que era uma carta que esperava há muito tempo do seu amado que há muitos anos teve de partir para longe. Na carta estava escrito:

   “Meu amor, temo trazer uma notícia má, aquela que só no momento nos faz perceber que a vida só é importante com os que mais amamos e como é bom aproveitá-la. Posso dizer que estou a morrer, tenho dias até conhecer um outro mundo. Aproveitei e escrevi esta carta antes que fosse tarde demais. Minha querida Ana, penso que não é esta doença que me leva, mas sim a saudade de ti. Não chores. Se sentires a minha falta sorri quando olhares para uma foto ou quando tiveres alguma lembrança nossa. Amo-te, Ana, até um dia, minha querida….”

    Nesse momento não sabia o que dizer, o sentido de enviar a garrafa pelo mar era por ser uma memória das suas infâncias, pois faziam o mesmo no rio para se comunicarem. Era um gesto romântico, o amor entre os dois era repleto de memórias de felicidade.

                                                                                                                       Ana Rita Rocha, 9ºVC


Porque as palavras ganham asas...

                                                                          As Palavras

As palavras ganham asas

E é provável que voem

No azul, até ao infinito.

As palavras rasam a verdura

Dos prados e mergulham fundo

Em lamas espúrias.

Algumas, porém, anoitecem...

Como se uma ave

Me sangrasse na mão

Uma pedrada.

                                                                                   Edgardo Xavier



E porque é quase Natal...

          


                                                                (Sugestão de leitura e ilustração de Henrique Ferreira, 8ºVB

O sorriso


 

Dentro da barriga da mãe, o Menino Jesus ouvia, lá fora, São José dizer para Nossa Senhora:

            “Demorará a nascer?”

            E Nossa Senhora respondendo:

            “Não, tenho quase a certeza de que nasce esta noite.”

            Inquieto, o Menino Jesus perguntava-se se falariam de si. E o que quereria dizer “nascer”? Teria ouvido bem?

            O barulho do coração da mãe batendo com força perto do seu não deixava o Menino Jesus ouvir perfeitamente o que se passava lá fora. Escutava o sussurro de vozes, os passos de São José andando de cá para lá no estábulo, o roçar das roupas de Nossa Senhora na barriga, mas nem sempre tinha a certeza daquilo que ela e São José diziam porque ainda não compreendia muitas palavras.

            Algumas palavras compreendia, a palavra “mãe”, a palavra “coração”, a palavra “alegria”. Quando, por exemplo, a mão da mãe acariciava levemente a barriga e o tocava através da pele, experimentava uma sensação vibrante e nova que nunca antes, no Céu, quando ainda não era homem, sentira. Então, o seu sangue corria mais depressa e sentia as faces a ruborizarem-se-lhe. Estava certo de que “alegria” era isso. (…)

            “Estou a sentir dores, acho que vai nascer.”

(…) Mas que queria dizer “nascer”? (…) De repente sentiu-se puxado para baixo por uma força irresistível. (…) Fechou os olhos e deixou-se escorregar docemente para fora da mãe.

            Quando os abriu, o rosto da mãe sorria debruçado sobre o seu, muito perto do seu, e o Menino sentiu, apesar do frio que fazia, um calor denso e vibrante inundá-lo e aquecer todo o estábulo. “Nascer deve ser isto…”, pensou. E, cheio de alvoroçado contentamento, estendeu o braço, tocou levemente com o dedinho indicador o rosto de Nossa Senhora e sorriu também.

                                                 in O cavalinho de pau do Menino Jesus e outros contos de Natal,               

                                                                                             de Manuel António Pina



Se eu fosse um pássaro azul...


Se eu fosse

Um pássaro azul,

Voava sobre Portugal,

De norte a sul.

 

Se voasse sobre Portugal,

Voava, também, sobre a América,

A Ásia e a África.

Ficaria histérica!

 

De Portugal à Austrália,

E sempre no meu bico,

Levaria uma Dália.

 


Voaria, voaria,

Como um avião.

Faria ninho

Num galho de Chorão.

 

Quando chegasse ao Polo Norte,

Vestia um casaquinho,

Pois era bem provável

Que estivesse friozinho.

 

Agora acordei

Do meu lindo sonho azul,

O pássaro esvaiu

E nem sequer estou no sul!

 

                              Filipa Dias, 6ºVA